sábado, 12 de maio de 2018

O golpe de 194, o da cassação do PCB

O cancelamento do PCB em 1947 na visão da justiça eleitoral


A seguir, artigo publicado no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o  cancelamento do registro do PCB em 1947. Oferecemos ainda link para cópia digital do processo que atingiu o partido em um de seus momentos mais profícuos.
Antecedentes
O Partido Comunista Brasileiro (PCB), no começo chamado Partido Comunista do Brasil , foi fundado em março de 1922, com o objetivo de organizar o operariado brasileiro.
No plano interno, foi influenciado por movimentos grevistas que, desde a década de 1910, vinham se intensificando, principalmente nas cidades em processo de industrialização, como São Paulo.
Recebeu grande influência da Revolução Russa de 1917 - que em dezembro de 1922 iniciou a formação da União Soviética - e da Terceira Internacional, movimento iniciado na Rússia em março de 1919, com o objetivo de congregar os movimentos comunistas em todo o mundo.
O PCB teve breve existência nessa primeira fase. Foi proscrito em julho de 1922, durante o estado de sítio decretado pelo Presidente Epitácio Pessoa.
Numa segunda fase, iniciada com sua legalização em janeiro de 1927, chegou a lançar candidato à Presidência da República, mas sem obtenção expressiva de votos.
Na eleição subseqüente, de 1934, não participou diretamente do pleito, pois não obteve registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Foi considerado um partido de caráter internacionalista: seus candidatos sairiam pela União Operária e Camponesa.
O fim do Estado Novo e a abertura política
Nos anos 40, os Estados Unidos e a União Soviética se uniram para derrotar os países dominados por regimes nazi-fascistas. A vitória possibilitaria um melhor convívio entre as duas grandes potências. Em lugar da relação amistosa, surgia, em 1947, a Guerra Fria, disputa pela hegemonia política, econômica e militar no mundo, que manteria as duas nações em conflito até a década de 1990.
Aquela aliança iniciada sob a liderança dos Estados Unidos e da União Soviética contara com a participação do Brasil, a partir de 1942. Isso gerou uma contradição insolúvel no Estado Novo: uma ditadura de inspiração fascista se opunha a outras, de matiz político equivalente. O desgaste político seria, portanto, inexorável.
Em 1945, o Estado Novo, já bem debilitado, viu-se obrigado a abrandar o regime ditatorial. Estabeleceu datas para as eleições, tanto para o Poder Executivo como para o Legislativo, em âmbito federal e estadual, e instituiu novamente a Justiça Eleitoral, por meio do Decreto-Lei nº 7.586/45 (Lei Agamenon Magalhães).
Permitiu-se, então, o retorno dos partidos políticos, desde que tivessem, ao menos, dez mil eleitores, a partir de cinco circunscrições eleitorais. O Tribunal Superior Eleitoral poderia, entretanto, negar o registro à agremiação partidária cujo programa se opusesse à democracia ou aos direitos fundamentais do homem.
Do registro do PCB e da denúncia ao TSE
Com o retorno da democracia, o Partido Comunista do Brasil voltou à cena política em 1945, após ter seu pedido de registro deferido. Na eleição presidencial do mesmo ano, o PCB atingiu 10% dos votos; no pleito para a Constituinte, alcançou quase 10% da votação e elegeu 14 deputados - entre eles, o escritor Jorge Amado - e um senador, Luis Carlos Prestes.
Em março de 1946, o Deputado Barreto Pinto, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), encaminha denúncia ao Tribunal Superior Eleitoral contra o PCB, alegando o caráter ditatorial e internacionalista da agremiação e pedindo a cassação de seu registro.
Além disso, acusava-se a agremiação política de estar a serviço da União Soviética e que, em caso de guerra, seus militantes lutariam contra o Brasil. O parecer do procurador geral foi pelo arquivamento do processo, mas o Tribunal optou por não aceitá-lo e deu prosseguimento à apuração.
Isso não arrefeceu os ânimos da oposição, bem articulada politicamente e contando com a simpatia de importantes setores do próprio Estado Novo.
Outra denúncia apontava ações do Partido Comunista Brasileiro na promoção de greves e da luta de classes, vinculação com o comunismo soviético e violação dos princípios democráticos e direitos fundamentais do homem. Isso contrariava o estabelecido pelos Decretos-Leis nºs 7.586/45 e 9.258/46 e pela Resolução nº 830, de 25 de junho de 1946, expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O cancelamento do registro do PCB
Em maio de 1947, outro parecer da Procuradoria da República argumentou que havia irregularidades no estatuto do partido e seu caráter político era realmente internacionalista. No Plenário do Tribunal Superior, decidiu-se por três votos a dois o cancelamento do registro do PCB - Resolução nº 1.841, de 7.5.1947.
Os votos vencedores concluíram pela procedência das acusações, com base na violação ao art. 141, § 13, da Constituição Federal de 1946 , c.c. o art. 26, alíneas a e b, do Decreto-Lei nº 9.258/46. Esse dispositivo constitucional vedava a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação cujo programa ou ação contrariasse o regime democrático. O preceito estava baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem.
A tese vencida ressaltou a ausência de provas das alegações e defendeu a democracia calcada na pluralidade partidária, independentemente do caráter antidemocrático das agremiações, razão pela qual entendeu manter o registro do partido. Dias depois, o Ministério da Justiça iniciava o fechamento das instalações do PCB.
Em abril de 1948, o Supremo Tribunal Federal recebeu recurso extraordinário contra a decisão que cassou o registro do partido, mas dele não conheceu.
A extinção dos mandatos eletivos
Em janeiro de 1948, todos os parlamentares eleitos pelo PCB perderam seus mandatos, porquanto o partido não existia mais.
Diante da hipótese de perda de mandato eletivo não expressamente prevista na Constituição Federal, editou-se a Lei nº 648, de 10 de março de 1949, que estabeleceu em seu artigo 1º:
"Os lugares tornados vagos nos corpos legislativos, em conseqüência do cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil, pela Resolução nº 1.841, de 7 de maio de 1947, do Tribunal Superior Eleitoral, caberão a candidatos de outro ou de outros partidos, votados na eleição de que se tenham originado os mandatos".
A lei dispunha que o Tribunal Superior Eleitoral deveria considerar nulos os votos da legenda extinta, contudo ela teve sua aplicação negada pelo Tribunal, através da Resolução nº 3.222, de 20.5.1949, por inconstitucionalidade.
O recurso extraordinário encaminhado ao Supremo Tribunal Federal não foi acolhido, por entender-se que houve violação ao art. 52, parágrafo único, da Carta Magna, que previa a convocação de suplente ou, na ausência deste, a realização de nova eleição.
Notas
1. O Partido Comunista do Brasil, ainda na ilegalidade, em 1960, adota o nome Partido Comunista Brasileiro, mantendo a sigla PCB. Posteriormente, em 18 de fevereiro de 1962, uma ala dissidente do partido forma nova agremiação partidária denominada Partido Comunista do Brasil e adota a sigla PCdoB, para diferenciar-se do primeiro.
2. Em 1985, com o fim do regime militar e o início da Nova República, o PCB voltou a funcionar na legalidade.
Atualizado em 25.06.16